A Empresa Fabril de Calçados e Uniformes – Empresa Pública (EFCU-EP), a principal fornecedora de fardas e botas militares no país, deve cerca de 600.000.000 Kz (seis centos milhões de Kwanzas) aos seus 1.500 trabalhadores relativos aos cinco meses de atrasos salariais.
Por Domingos Miúdo
O cálculo foi possível devido à denúncia feita pelo colectivo de trabalhadores ao Folha 8, sendo que estes auferem um salário de 80 mil Kwanzas. Depois foi só fazer as contas.
Entretanto, levanta-se o cepticismo de saber se a empresa terá a honestidade e o comprometimento de liquidar a dívida. Segundo um dos funcionários da empresa há 17 anos, as reivindicações nunca faltaram, porém, a direcção da empresa, na pessoa do engenheiro químico Artur Augusto Luís Tombias, tem-se declarado inocente, atribuindo toda culpa ao Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria (MINDENVP). Conforme relatou, a direcção da EFCU-EP afirma que o Ministério só leva as fardas e não as paga.
“A empresa insiste que o problema está no Ministério da Defesa, por sua vez, este ministério nada diz. Daí que colectivo achou dar o grito de socorro diante das câmaras da TV Zimbo e da TV Girassol, mas ambas, por, em muitas instâncias, cumprirem com as agendas de quem governa, sobretudo por ser um assunto sensível ao governo, abafaram o grito de socorro dos pobres injustiçados”, disse.
O funcionário não acredita que o atraso salarial seja por falta de dinheiro, sendo que o MINDENVP é de longe o ministério que mais recebe no Orçamento Geral do Estado: “O Ministério da Defesa não tem problemas de dinheiro. Ou o ministério faz o pagamento à empresa e, por sua vez, a empresa não faz chegar ao nosso bolso”.
Realçou ainda que, na época que a EFCU esteve tutelada pela Casa Militar, os trabalhadores faziam parte da folha salarial do órgão a que estavam atrelados, no entanto, agora que passou para a tutela do MINDENVP não fazem parte da folha salarial deste. “Sendo a empresa autónoma, recebe o dinheiro do Ministério, portanto, paga salário como, onde e quando bem entender”, frisou.
“Deixamos de ser trabalhadores honestos para nos tornamos pedintes da família, dos amigos. Isso está a nos tirar a dignidade como trabalhadores”, lamentou.
Dado que são os actores responsáveis pela uniformização dos militares do país, alertaram que se deixarem de trabalhar, o exército deixará de se vestir, porque as FAA dependem deles.
Sobre a produção em dias bons, quando na equação não constam os problemas de dinheiro, a produção vai de 22 mil a 30 mil pares de fardas ao mês. Só na secção de casacos, tem-se 800 pares ao dia. Daí que afirmou: “temos capacidade para servir Angola e não só. Em dias sem salários fizemos menos pois “saco vazio não fica em pé”. Com isso a empresa é que sai prejudicada porque na instituição a matéria-prima que lá está avalia-se em mais de 10 milhões de dólares, contudo, está na iminência de se estragar porque já não se produz no mesmo ritmo que antes”, alertou.
“Se não resolverem esse problema, aquela matéria-prima de 10 milhões de dólares vai acabar estragada. As pessoas têm vontade de trabalhar, mas com fome não é possível”, reiterou.
Desta vez o grito de socorro ecoou de uma senhora de, aproximadamente, 45 anos, funcionária da EFCU há 14 anos, que, no interregno, aproveitou a presença do Folha 8 para, em representação das mulheres implicadas no imbróglio, falar das questões desumanas e de injustiças que estão a passar no sentido de não paralisar a produção, dado que muitos dos seus colegas, mesmo sem dinheiro, fazem “milagres e sacrifícios” para chegarem à empresa vindos de pontos muito distantes. Como exemplo, citou que há colegas que saem do Panguila, Caxito e Zango para chegarem até as instalações da empresa sita no município de Cazenga.
“A direcção da empresa só nos chama para sentar connosco quando nós paralisamos o trabalho. Se nós não fizermos alguma coisa que chame a atenção da empresa, eles não nos chamam para reunir. Só convocam a reunião para perguntar se não estamos a trabalhar por quê. E quando explicamos que é por falta de salário sofremos ameaças. Houve uma reunião em que a própria direcção ameaçou-nos dizendo que quem não quiser trabalhar que fique em casa”, recordou.
Um dos trabalhadores desta empresa há 11 anos foi mais longe, confessando que alguns colegas para chegarem nos cómodos da fábrica vêm de caravanas de óbitos, uma vez que a empresa está próxima ao cemitério do 14.
“Quando vêem que está a passar uma caravana que vai directo ao 14 aproveitam a boleia. No dia seguinte, se não tiver óbito no bairro, faltam. Há colega que depende do óbito, quanto mais funerais passarem na sua rua, melhor, assim consegue ter táxi”.
MANOBRAS DE CORRUPÇÃO NA EFCU
O colectivo de trabalhadores aproveitou o ensejo para denunciar as manobras de corrupção na empresa, pois, levando em conta os anos de trabalho em que lá estão, os descontos feitos aos salários, que se dizem destinados à caixa de Segurança Social, só correspondem a três meses, não sabendo, realmente, para onde é que vão ou por onde estão os descontos aplicados no salário mensal.
Daí dizerem que trabalham sem grandes esperanças na aposentadoria, porque os descontos feitos nos salários percorrem, constantemente, por destinos obscuros.
“Durante esses 16 anos, os descontos que normalmente fazem dos nossos salários, respectivamente, para a Segurança Social, só constam valores equivalentes a três meses. Por este facto, aqueles que já estão em estado de aposentadoria não gozam de uma pensão social”, disse um deles.
A questão torna-se ainda mais grave e preocupante ao colocar as seguintes interrogações: Se os descontos não vão directos à caixa de Segurança Social, para onde vão, ou seja, onde está o dinheiro que é do direito do pensionista, ou melhor, quem se encarrega de fazer os desvios? Reitera-se que estamos diante de um problema gravíssimo, pois, presume-se que se trata de um acto de corrupção, um acto que deixa (ou deveria deixar) João Lourenço enfurecido.
Partilhou-se, por isso, a preocupação de uma das colegas que não consegue recuperar o dinheiro do marido, já falecido, por estar bloqueado no banco, entretanto, o desbloqueio está condicionado à obrigação da empresa pagar todo o valor correspondente à Segurança Social do seu antigo funcionário diante da instituição bancária. Ante isso, acorreu à direcção e tudo que esta respondeu é que nada faria porque estava sem dinheiro.
“Temos prova de que o dinheiro não está na caixa de segurança social. Quando demos conta dessa situação, a CSG-SILA, nosso representante de lá, pediu-nos que fôssemos consultar, daí deparamo-nos com essa situação”, avançaram.
CSG-SILA é a comissão sindical da empresa, o representante legal dos trabalhadores da EFCU, que, por sua vez, os queixosos afirmam que não são bem representados por estes.
“A CSG-SILA na pessoa do sr. Jacinto diz que tem feito algumas demandas que, na verdade, em nada estão a resultar porque as coisas continuam conforme estão. Temos um caderno reivindicativo na empresa que já expirou há cerca de um ano, ainda assim a instituição não diz nada”, frisaram.
“Notamos certas morosidades da nossa comissão sindical na tendência de resolver nossos problemas. Nós pagamos as nossas cotas, mas eles não cooperam connosco. Aqui não tem nenhum membro da comissão sindical, o colectivo de trabalhadores está cansado de viver essa situação, daí que se uniu para fazer esta denúncia “, reiterou um deles.
Os trabalhadores argumentaram que a actuação da comissão sindical é duvidosa, pois, dá-lhes indícios de que alguma coisa prende a comissão à direcção. “A comissão não age como tal, parece que é orientada pela direcção. A comissão sindical não se levanta a favor dos trabalhadores”, garantiram.
Recordaram que, no ano passado, numa reunião com a direcção da empresa, acordaram e assinaram que a partir de Agosto daquele ano a EFCU passaria a pagar-lhes um salário de 120 mil Kwanzas. Entretanto, no mês combinado, com toda a produção exigida, o acordo foi simplesmente ignorado como se nunca tivesse sido firmado. “Mais uma vez, não vimos a CSG-SILA a fazer alguma coisa diante dessa situação. Tanto é que, esta situação culminou com o despedimento do primeiro e do segundo secretários da comissão sindical da empresa”, disseram.
Na busca das possíveis vias na resolução dos problemas, aponta-se, como uma das próximas intenções, a manifestação do colectivo de 1.500 trabalhadores diante do edifício do Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria, uma vez que se afirma que é que lá que o imbróglio reside.
“Apesar do que se vê em manifestações em que as pessoas são detidas, nós estamos dispostos a correr esse risco, porque está demais, estamos a passar mal com esta situação”, adiantaram.
Em jeito de súplica dirigida ao Presidente da República, os trabalhadores expressaram o seguinte: “Nós pedimos encarecidamente ao Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, a fim de se compadecer com a nossa situação, a fim de intervir, porque não tem sido fácil. Sr. Presidente, faça aquilo que lhe compete, por favor”.
O Folha 8 tentou entrar em contacto com o director-geral da EFCU, Artur Tombias, e também com um dos secretários da CSG-SILA, a comissão sindical, contudo sem êxito.